A verdadeira história do Lobo Mau e da Vovozinha
Por muitos e muitos anos, essa história foi contada de forma diferente. Para quem achava que o tal do Lobo Mau era um vilão, de repente pode estranhar essa pequena canção:
- Pela estrada afora, eu ando sozinho,
persigo a Chapeuzinho pra ganhar docinhos. Ela é esperta e o caminho é longo,
eu não devoro gente, e nem camundongos. Pela tardinha, no sol poente, estou
ficando velho e muito carente. – Assim cantava o Lobo Mau.
E a Vovozinha, quando passeava pela floresta
para catar frutas vermelhas para sua torta de pitanga, cantava assim:
- Pela estrada afora eu passeio sozinha, pois
a minha netinha quer ficar sozinha. Ela não gosta mais de jogar dominó e trocou
a sua avó pelo celular. Ai como eu queria um outro amigo pra jogar conversa
fora e fazer tricô comigo.
A
Chapeuzinho já era uma adolescente crescida, e não queria mais saber de passear
na floresta e nem de levar doces para a sua vovozinha. Ficava o dia inteiro
trancada no seu quarto mexendo no seu computador, escrevendo poemas de amor
para o belo filho do caçador, que ela havia conhecido na escola. Ele teclava
com ela todos os dias pelo whatsapp. Postava fotos no Instagram e falava de toda a sua vida no Facebook. Enquanto isso, a Vovozinha nunca mais recebera uma visita
sua. Apenas, às vezes, quando algum sapo virava príncipe, Chapeuzinho atendia
algumas chamadas pelo Skype de sua
avó. Principalmente, quando ela queria receber algum presente, mesada ou um
pedaço de torta doce.
Um dia, cansada de assistir à Usurpaloba, que
estava sendo reprisada pela décima quinta vez pela TVC (TV Contos de Fadas), a Vovozinha, de óculos,
bem simpática e velhinha, com seus cabelos brancos bem fininhos, resolve dar
uma volta na floresta para ouvir o canto dos passarinhos. Sozinha, ela começa a
cantarolar:
- Aonde eu vou encontrar um alguém tão
especial, que queira jogar bingo e comer mingau. Alguém tão querido, faminto e
peludo, que goste de ouvir Roberto Carlos e não seja surdo.
- Não vou, Não vou, pra casa agora eu não
vou, Parara-tim-bum, Parara-tim-bum. Eu vou, eu vou pra festa do meu avô!
Até os Sete Anões lembravam-se do aniversário
de casamento de seus avós. E cada um, estava levando um presente: vinho,
baralho de cartas, dentadura, sopa, gelatina, novelo de lã e um edredom de pelo
de urso. Mas a Chapeuzinho, mal se recordava do dia da avó, que seria no
próximo dia 21 de Julho. Quando a velhinha rechonchuda se prepara para entrar
em casa, de tão vermelhas que estavam suas bochechas de tanto caminhar no frio,
ela escuta uma cantoria uivante:
- Eu sou o Lobo Mau, hoje não almocei, quero
comer mingau com aveia. Não tenho nenhum amigo, minha barriga ronca acima do
umbigo! Estou com frio e fome, tenho medo daquele homem barbudo! Não sou bicho
feroz, sou manso e orelhudo. Preciso de ajuda, sinto o cheiro de bombom e de
jujuba.
A velha senhora por instantes achou que
estava com o mal de Alzheimer, pois nunca havia visto antes um lobo cantor. Ele
disse a ela que era um andarilho, cantava sozinho na noite, nos botecos. Era
tenor! A vovozinha por alguns segundos até ficou assustada, mas percebeu que
não era nenhuma bruxa malvada, e deixou o lobo entrar para beber uma xícara de
chá. Os dois ficaram por horas fofocando sobre a vida dos seres na floresta.
- Lobo Mau, como vão os três porquinhos? Eles
ainda são teus vizinhos? – indagou a vovó.
- Sabe que não! Prático que morava na casa de
tijolos, abriu uma construtora, virou engenheiro, e trabalha muito o dia
inteiro. Agora ele mora num hotel fazenda no lado sul da floresta. Heitor que
morava na cabana de madeira, hoje é lenhador. Ele se casou com uma porca
doceira, teve três porquinhos e agora é vizinho de João e Maria.
- E o Cícero, o mais preguiçoso de todos? Não
me diz que também casou? Ou está trabalhando?
- Quase isso. Ele vende artesanatos de palha
e virou mordomo dos sete anões. Preguiça de ter um negócio próprio. Segundo o
anão Zangado, ele mais dorme e come o dia todo, do que serve os outros. E ainda
ronca como um porco!
Toca o telefone, a vovozinha atende cantando:
- Quem tem medo do lobo mau, lobo mau, lobo
mau, quem tem medo do lobo mau, lá, lá, lá, lá, lá... Alô?
- Vovó? Sou eu a Chapeuzinho, está tudo bem?
- Hein? Quem? A Cachinhos Dourados? Não
preciso de mel e nem de tapete de urso!
- O quê? Não vovó, é a sua netinha, a
Chapeuzinho Vermelho! A mãe preparou uma cesta de doces. Tem quindim, pé de
moleque, papo de anjo e mil folhas. Posso ir até a sua casa levá-los?
- Sim, estamos dando uma festinha, podes vir
e não esquece o refrigerante diet. Eu
sou diabética!
Chapeuzinho, não estava interessada em ir
visitar sua avó, pois queria se arrumar para a festa do pijama da Bela
Adormecida. Mas ficou curiosa para descobrir quem era a visita misteriosa.
Afinal, a sua avó não costumava receber ninguém!
- Quem era no telefone gorduchinha?
- Era minha netinha, lobo fofo! Quer mais
pipoca doce? Aceita um suco de maracujá?
- Não obrigado, daqui a pouco já vou jantar!
Senta aqui, ao meu lado, já vai começar o Lobo Cine.
- Hum, não tinha reparado como os seus olhos
estão grandes!
- Minhas pupilas estão dilatadas, esqueci
meus óculos em casa e também está muito escuro aqui! Você está poupando luz?
- Desculpe-me peludo, vou ligar o abajur. E a
novela, já começou? Eu adoro aquele programa de culinária da Gordorela, aprendi
várias receitas de tortas doces. Aceita mais uma fatia de bolo de pitanga?
- Prefiro esperar o jantar. A Chapeuzinho vai
demorar muito? Ela ainda usa aquele capuz vermelho? Estão dizendo na floresta
que ele está saindo de moda. Parece que a nova tendência será o capuz amarelo,
mais fashion e moderno.
- Estou fazendo para o jantar uma lasanha de
quatro queijos com presunto defumado. Até tenho um velho vinho guardado na
despensa. Ganhei de um caçador que era apaixonado por mim na adolescência. Mas
ele desapareceu, preferiu ir atrás da Branca de Neve. E como eu não tinha
ninguém para compartilhar esse Salton Rosé, resolvi deixá-lo armazenado na
adega.
- Humm, o cheirinho está delicioso! Vamos
jogar damas?
- Eu tenho uma mesa de sinuca e de ping-pong!
Enquanto isso, ao entardecer, passeando pela
floresta, cantava a Chapeuzinho:
- Pela estrada afora eu andava sozinha, isso
era passado, eu tenho namorado. Tenho muitas amigas e muitas vizinhas, e pela
estrada fora rola uma fofoquinha. De tardezinha, no sol poente, o Lobo Mau é
magro e já perdeu os dentes. O caminho é longo, mas não é deserto, o Pinóquio e
o Gepeto moram aqui por perto. Eu sou lindinha, meiga e magrinha, ai que coisa
chata levar doces para a minha vovozinha.
Enquanto isso, na casa da vovozinha...
- Quer dizer que agora, tu és tenor lobudo
(lobo com sortudo)? – perguntou a vovó entusiasmada.
- Sim, eu sou solista. Canto nos bailes, nos
casamentos, nas casas noturnas, nas tabernas. Eu sei cantar o “O canto della
terra” de Andrea Bocelli.
- Canta aí.
- “Si lo
so Amore che io e te forse stiamo insieme solo qualche istante zitti stiamo ad
ascoltare Il cielo Alla finestra questo mondo che si sveglia e la notte è già
cosi lontana già lontana”.
Os
dois cantam meio embriagados, soluçando, abraçados e felizes:
- “Guarda
questa terra che, che gira insieme a noi anche quando è buio, guarda questa
terra che, che gira anche per noi, a darci un po´di sole, sole...”.
Chega
a Chapeuzinho e bate na campainha:
- Vovó? Que cantoria é essa? Quem está ai?
- Auauuuu... – uivaram o lobo e a vovozinha.
- Vovó, eu vou entrar, a porta está aberta!?
Por que a televisão está num volume tão alto?
- Aguardem, no próximo Lobo Cine estreia o
filme: O Lobo encontra o seu amor.
- Lobo Cine? Vovó? Você está com o...
- Lobo Mau, minha netinha!
- Que boca grande é essa Chapeuzinho? Está
usando batom?
A jovem grita e sai correndo.
- Espera, Chapeuzinho, ainda nem comemos a
sobremesa, mouse de pitanga! – diz o lobo.
- Caçador, caçador – gritou a moça do capuz
vermelho, antes de se lembrar que tem um celular.
Manda um SMS, um vídeo pelo whatsapp e posta
uma foto pelo Facebook com a hashtag#Lobomauaqui#. Em cinco minutos, chega o
filho do caçador de uber.
- O que foi meu amor?
- Tem um lobo enorme, com dentes afiados, olhos
arregalados, bebendo vinho e, jogando damas na casa da minha avó!
O caçador entra com a espingarda na mão, e a
vovó diz:
- Quer uma taça de vinho? Ainda tem lasanha
no forno.
- Prazer, sou o Lobo Mau. Não tão mau assim.
Ele ri e soluça.
- O peludo é meu amigo, ele canta Andrea
Bocelli, uiva aí:
- “Guarda
questa terra che...”.
- Humm, que bela festinha! – afirmou o
Caçador. - Hein, Chapeuzinho, pega umas almofadas, eu trabalhei o dia todo
hoje, estou com dor nas costas!
- Ninguém vai matar o lobo? – perguntou a
Chapeuzinho.
- Não, ele é bonzinho, e a arma está
descarregada, é só pra impressionar! Relaxa, dá uma folga, hoje é quarta-feira,
dia de namorar no sofá! Aproveita porque mais tarde tem jogo!
- Que jogo?
- Cachinhos Dourados e os três ursos x A Branca de Neve e os sete anões! É ao vivo pela TV Princesa às 22h.
- Ainda tem pipoca doce? - perguntou a Chapeuzinho.
- Que jogo?
- Cachinhos Dourados e os três ursos x A Branca de Neve e os sete anões! É ao vivo pela TV Princesa às 22h.
- Ainda tem pipoca doce? - perguntou a Chapeuzinho.
Conto escrito na Oficina de Escrita Criativa Online do professor doutor em letras Marcelo Spalding
Nenhum comentário: