Bodas de papel

"Este texto foi escrito inspirado na Oficina de Escrita Criativa com ênfase em Criação Literária (2015), mediada pelo professor, escritor, jornalista, doutor em letras, Marcelo Spalding. Para quem deseja  conhecer a oficina online: http://www.escritacriativa.com.br/"

    Foi durante uma noite quente de verão que aconteceu aquele estranho festejo de bodas de papel. Era Dezembro, e ninguém esperava um presente de papai Noel tão inusitado. Maria e João, dois jovens quase recém-casados resolveram fazer na véspera do feriado um jantar romântico para celebrar seus anos de casamento. Mas não eram anos, era apenas um ano, já que se tratava das bodas de papel. Sabe como é...  O papel representa a fragilidade, aquele choque de culturas, e também a ternura, a doçura, a flexibilidade, a coragem para enfrentar uma vida a dois. Enquanto Maria pensava na decoração da casa, nas flores e nas rendas, João, já havia ligado para uma porção de amigos. Enquanto Maria pensava no Buffet, João jogava Play Station quatro e assistia futebol na TV. Um parecia não se conectar com o outro, embora seus corações permanecessem ligados no tal “felizes para sempre”. Numa manhã de sol, João gritava:
- Maria, estou com dor de dente! Todavia, ela só pensava nos presentes!
- E daí? - respondia Maria. Para ela, o mais importante era se maquiar e se embelezar em frente a pia do banheiro!
    Mas justamente naquele dia, João se esquecera de sua tia Joaquina que chegaria de Londres para participar do jantar em família. Para Maria se tratava de um momento romântico entre os dois, com rosas vermelhas e um breu à luz de velas. Eles não moravam no bairro dos Jardins em São Paulo e sim na favela, no morro da Babilônia. Imagina se toda aquela vizinhança não iria correndo, ou melhor, comendo atrás da comilança! João sem pressa pegou sua bicicleta e se dirigiu até o aeroporto. Mas o vizinho ao lado, muito preocupado, lhe emprestou seu fusca todo enguiçado para não atrasar a festa! Enquanto isso, Maria ainda estava em seu toilet francês, em sua banheira de hidromassagem. No celular de João chega um SMS, uma mensagem:
- Guri, já estou aqui, peguei um táxi de cor caramelo, cujo motorista se parecia muito com o padre Marcelo! – dizia a tia de João! Já o rapaz todo apressado, largou o fusca enferrujado do vizinho e entrou na limousine do cunhado, que era um famoso cantor de funk, lá das bandas do Rio de Janeiro!
    Dim Dom... Enquanto a tia apertava a campainha, Maria estava trancada no banheiro! Caiu uma tempestade e o vento fez bater a porta! Maria pega seu smartphone e liga para Bruno e Marrone, avisando que o jantar iria atrasar, mas que o show tinha que continuar. E a tia? Esta não parava de berrar que a chuva estava estragando a sua escova progressiva! E na limousine do funkeiro, chegam as amigas e os amigos de João, que trazem um chaveiro para tentar salvar Maria de seu banheiro francês. Do nada a porta abre e Maria sai toda enfeitada feito uma princesa de contos de fadas! Seu vestido rendado foi inspirado na moda britânica. Em suas bodas de papel, Maria vestia e exibia uma moda Rapunzel, com suas tranças floridas, esticadas até o céu!
    Num Cadillac conversível Eldorado rosa, chegam os pais dos noivos. O pai de Maria era um velho coronel aposentado da marinha. O pai de João era um mafioso com pinta de Siciliano. Ele costumava usar um chapéu de mexicano com uma barba bem alinhada. A mãe de Maria sonhava em ser rainha, mas se contentou em ser miss Babilônia. Já, a mãe de João, nascida em Rondônia, era uma dona do lar, que sabia cozinhar muito bem e vendia doces e quentinhas para fora.
    E os convidados começam a entrar na casa... Mas onde está João? Novamente toca a campainha, dim dom, dim dom. O funkeiro liga o som e o garçom serve pinga, cerveja e cachaça para a comunidade. De repente, de chinelo Havaianas, entra João, com as alianças na mão, cantando “Ai que saudade d`ocê”. E começam a chover “pingos de amor”, que atraem até o trio Timbalada de Salvador que batucava ali perto naquela região! E para abençoar aquela doce e sincera união, chegam juntos num táxi amarelo, o padre Marcelo e o padre Fábio de Melo. Eles cantam e abençoam João e Maria, que um dia se conheceram numa estradinha de pedra, seguindo migalhas de pão! E para completar aquelas bodas de papel, o padeiro de bigode traz o bolo da noiva em formato de coração! E a turma do pagode mistura samba e funk com música erudita. Nunca se viu uma história tão esquisita como a de João e Maria Bonita! E em plena véspera de Natal, aquela festa parecia mesmo um baile de Carnaval! E Maria dançava com o seu véu de rendas até o chão, enquanto João olhava para a janela, admirando o crepúsculo, bebendo sua caipirinha, completamente bêbado, mas encantado, apaixonado por sua mais nova noivinha. 





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